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O maravilhoso mundo das cavernas

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Exultante com o final feliz do drama dos 12 meninos e seu treinador presos no interior de uma caverna na Tailândia, reproduzo um texto de 25 anos atrás. Escrevi a matéria após uma Instigante viagem ao Parque Estatual Turístico do Alto Ribeira (Petar), ao sul do estado de São Paulo, entre os municípios de Apiaí e Iporanga.

por Airton Gontow

 

A saída das cavernas  é sempre um momento especial...- Crédito da foto: Karen. C. Nogueira.
A saída das cavernas é sempre um momento especial…- Crédito da foto: Karen. C. Nogueira.

A escuridão em uma caverna é diferente de todas as outras. Não é, por exemplo, como quando falta luz em casa e depois de poucos minutos já dá para ver o contorno dos objetos, silhuetas de pessoas que passam e até detalhes do próprio corpo. Dentro da caverna é bem diferente. Escuridão significa ausência de luz. Mesmo com os olhos arregalados não dá para ver nem o vulgo da mão quase encostada no rosto. Já passou um bom tempo e a escuridão continua a mesma. Olhos abertos, olhos fechados, tanto faz. Assim é na caverna. A escuridão é absoluta.
O pequeno grupo está sentado silenciosamente no interior da Água Suja, uma das cerca de 210 cavernas da região do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), ao sul do estado de São Paulo. Em comum acordo todos apagaram as luzes dos capacetes, movidas a gás acetileno. Ninguém fala, mas o barulho é ensurdecedor. Depois de três horas no interior da caverna – às vezes passando por trechos secos, às vezes rastejando para ultrapassar lugares difíceis e escorregadios, em outras recorrendo à natação para não desistir do passeio – as dez pessoas chegaram imundas a uma surpreendente cachoeira de três metros de altura, saída não se sabe de onde. O barulho é mágico e parece que se está no centro da Terra. Ou ainda, que o universo inteiro é aquela escuridão e aquele barulho forte de água batendo nas pedras.
Luzes acesas, a caminhada continua. Para matar a sede, a maioria leva a mão em concha à água e, depois, à boca. “Não vou beber esta água nojenta”, protesta Mariana, 24 anos, estudante de Engenharia. O guia argumenta que a água é potável e não representa perigo. Ela insiste. “Desta água não bebo não.” Mas não se aguenta de tanta sede. “Então tome do meu cantil”, diz Milton, estudante de Direito, estendendo gentilmente o braço à companheira. Ela agarra o cantil e bebe. Bebe muito, até saciar a sede. “E onde é que você acha que enchi o cantil?”, pergunta Milton ironicamente.
Os ecoturistas saíram cedo do Bairro da Serra, vilarejo da cidadezinha de Iporanga, em direção às cavernas. Daria para entrar no ônibus da excursão, mas a opção escolhida foi fazer a caminhada de três quilômetros, na maioria subida. Antes de entrar debaixo da terra, que tal um pouco de luz e calor para alegrar o corpo e a mente? Todos têm a indumentária parecida: tênis velho, calça surrada, lanterna pendurada no pescoço, reator de carbureto preso na cintura e capacete, por enquanto na mão, porque o sol está forte e na cabeça esquentaria demais. Logo no início do trajeto, há o bar do J.J, famoso pela sua pinga “leite de onça”, que teria poderes afrodisíacos. Há também cerveja gelada, mas o espeleólogo-guia baixou a Lei Seca e deixou claro que para se fazer uma aventura é preciso ter muita responsabilidade.
Não houve discussão. O experiente guia estava certo. Até mesmo porque a visão que se teve uma hora depois, quando se chegou na primeira caverna, foi embriagante. Santana, oficialmente a maior de São Paulo, apresentou imponente seus notáveis espeleotemas (todas as formas de ornamentação das cavernas, como as estalactites e estalagmites) e salões. Além do guia, eram nove pessoas: quatro homens e cinco mulheres. Estas já não entram arrastadas pelos cabelos. Passaram-se milênios e foram as primeiras a acender o bico de luz do capacete e a ingressar no mundo fascinante e desconhecido das cavernas.

Airton Gontow durante a reportagem, há 25 anos
Airton Gontow durante a reportagem, há 25 anos

Santana mostra cenários a cada instante. De repente, os espeleotemas passam a ser como as nuvens e assumem formas de objetos e seres vivos, instigando a imaginação de todo mundo. Surge o cavalo branco, a asa do anjo, o abridor de garrafas, o busto da Fafá, a pata de elefante, o rosto de Cristo, o par de bailarinos… “Esta aqui o povo maldosamente apelidou de a mão do Lula”, conta o guia, apontando para uma pedra que parece uma mão de apenas quatro dedos. “Olha um morcego”, grita Carlos, 31 anos, analista de sistemas. Todos olham para os espeleotemas, mas ele aponta é para o teto da caverna, mostrando um bichinho de verdade.
Não há muitos habitantes no mundo das cavernas, onde a falta total de luz transforma esse ecossistema em um universo distinto do que existe na superfície terrestre. Muitas espécies de animais, por exemplo, são cegas, como o peixe bagre, que além de não possuir olhos, tem o pelo completamente sem pigmentação. Há alguns tipos de aranhas e, ainda, um grilo que a seleção natural dotou de antenas enormes para melhor adaptá-lo à escuridão permanente. Os morcegos são importantíssimos no chamado ambiente cavernícola, já que suas fezes (guanos) servem de fonte de energia para diversos organismos. Em algumas cavernas brasileiras já foram encontrados ossos, dentes e outros vestígios de animais extintos, como preguiças gigantes (chamadas negtérios) de cinco a sete metros de altura e tatus gigantes (gliptodon), do tamanho de um fusca.
Depois de Santana visitou-se outra caverna, a Alambari de Baixo, gruta simplesinha, quase sem formações interessantes para os leigos, mas que permite uma aventura emocionante. “Gruta ou caverna?”, perguntam alguns. O guia explica: “caverna é o nome que se dá à toda cavidade natural subterrânea. Se esta caverna for predominantemente horizontalizada, será chamada de gruta. Se for verticalizada, será um abismo. No Brasil, onde há cerca de 2.000 cavernas, a maioria é de grutas.”
Após uma entrada seca, a Alambari de Baixo surpreende pelo seu interior, onde se chega a um rio gelado, muito gelado, que precisa se atravessar caminhando, O trecho mais excitante é um corredor longo, de uns 100 metros de comprimento por dois de largura, que deve ser percorrido em fila indiana. À medida que os passos avançam, o desnível do terreno faz com que a água do rio Alambari fique na altura do pescoço e a cabeça encostada no teto. “Se alguma lavadeira jogar um balde de água suja lá fora no rio, morreremos afogados aqui dentro”, brinca alguém.
A saída das cavernas é sempre um momento especial. Atrás da “boca”, há o som de pássaros cantando, luminosidade e uma vegetação exuberante que emociona quem está chegando da escuridão. É bom procurar a beleza que existe até nos lugares mais escondidos do planeta, mas é fantástico lembrar que existe a luz e que o mundo é belo, colorido e cheio de vida.
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Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade.

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