EsportesFutebol

Pelé, o melhor da história. (Estava escrito nas estrelas?)

Compartilhe

Por Airton Gontow

Homenagem a Edson Arantes do Nascimento, falecido no dia 29 de dezembro de 2022, aos 82 anos, de câncer de Cólon, e que teria feito 84 anos no dia 23 de outubro. Já o Rei do Futebol não morre nunca. Pelé é Eterno!    

Pelé, o Rei do futebol Mundial, com a camisa do Santos

Como na velha piada, Edson era Antes do Nascimento. Depois virou Dico, Belé e até Gasolina, de tão liso que era nas peladas de rua e campinhos de várzea em Bauru. Finalmente virou Pelé. Talvez por isso para o povo brasileiro futebol seja, definitivamente, uma questão de PELE.

Dizem que Pelé é de Três Corações. Mas isso é o que está na certidão, lá nos registros do cartório. Nas histórias do futebol – e essas são as que contam – Pelé é de milhões e milhões de corações brasileiros e de apaixonados por futebol no mundo inteiro que agora lamentam a morte do Edson e reverenciam a trajetória do Rei do Futebol.

Nelson Rodrigues disse que “toda a unanimidade é burra”. Mas não acrescentou: “a única exceção é Pelé”. O genial dramaturgo, jornalista e escritor foi o autor da primeira e antológica crônica sobre o gênio da bola, no dia 25 de fevereiro de 58, após a vitória santista por 5 a 3 sobre o América do Rio, no Maracanã. No profético artigo, chama Pelé de “rei” e aposta no sucesso do jovem craque: “…Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias…. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas-de-pau”.

Nelson Rodrigues talvez não tenha concedido a exceção a Pelé porque o Rei, ao contrário do que se diz hoje, nunca foi unanimidade, mesmo quando estava no auge. No passado, alguns argentinos e europeus, destacavam Di Stefano. No Brasil, quem não aceitava seu reinado era literalmente um Mané, no bom sentido. Hoje, a proporção de súditos é ainda menor. Há quem diga que o melhor da história foi Maradona. Mas também Messi e Cristiano Ronaldo têm muitos fãs e especialistas, especialmente entre os mais jovens, que os colocam isolados na disputa do “melhor de todos os tempos”.

Pelé está nos corações de apaixonados por futebol no mundo inteiro

Os números de Pelé são impressionantes: tricampeão mundial (58, 62 e 70) pela Seleção Brasileira (único jogador na história) em quatro Mundiais disputados; bicampeão da Taça Libertadores da América e do mundo pelo Santos (62 e 63); pentacampeão da Taça Brasil (61 a 65); campeão da Taça Roberto Gomes Pedrosa – Taça de Prata (1968); cinco vezes campeão do Torneio Rio-São Paulo (59, 63, 64, 66 e 68); dez vezes campeão paulista (58, 60, 61, 62, 64, 65, 67, 68, 69 e 73); 1.284 gols em 1.380 partidas (média de 0,93 por jogo); campeão norte-americano pelo Cosmos (77); 95 gols em 115 jogos pela Seleção Brasileira; mais jovem campeão e bicampeão mundial de seleções (17 anos em 58, e 21 anos em 62, respectivamente); mais jovem artilheiro do Campeonato Paulista (17 gols em 57 – iniciou a competição com 16 e terminou com 17 anos); maior artilheiro em uma única temporada no Campeonato Paulista (58 gols, em 1958), competição em que foi o goleador 11 vezes (oito delas consecutivas); artilheiro da Libertadores (em 63, com 11 gols); quatro vezes goleador do Torneio Rio-São Paulo (61, 63, 64 e 65) e duas da Taça Brasil (61 e 63); maior número de gols em uma única temporada (127 gols em 59); 12 gols em Copas do Mundo em 14 jogos disputados; 59 títulos nos 21 anos de carreira…

Impulsão fenomenal: com apenas 1m73, Pelé fez muitos gols de cabeça, dois deles em finais de Copas do Mundo.
Impulsão fenomenal: com apenas 1m73, Pelé fez muitos gols de cabeça, dois deles em finais de Copas do Mundo.

Números são importantes, mas não dizem tudo, porque os jogadores não vencem sozinhos e muitas vezes contam com a sorte de atuar ao lado de atletas espetaculares, como foi o caso de Pelé no Santos e na Seleção Brasileira. Mas ainda assim as comparações com outros gênios da história do futebol não têm fundamento – a começar pelos próprios fundamentos, do futebol.

Pelé, sempre foi completo, em todos os fundamentos: driblava e chutava com as duas pernas, das mais diversas áreas do campo; tinha uma impulsão impressionante, além de um notável senso de colocação para seu cabeceio mortal, que compensava sua “baixa” estatura, e também para matadas no peito que preparavam gols e lençóis nos adversários. Com apenas 1m73, fez gols de cabeças nas duas nas duas finais de Copa do Mundo que disputou.

Muitos dos que contestam a soberania de Pelé na história do esporte bretão dizem que naqueles tempos jogar futebol era mais fácil e havia mais espaço para jogar. Pura bobagem! Os atletas devem ser analisados pelo que fizeram em suas épocas, com os métodos de treinamento e equipamentos que dispunham. Pelé fez lances inesquecíveis com bolas “rudimentares”, em gramados geralmente ruins e com chuteiras toscas se comparadas às atuais, que facilitam o domínio da pelota. Além disso, durante praticamente toda a carreira do brasileiro não havia o cartão amarelo nem transmissão do jogo pela televisão; e a violência raramente era coibida. Sem um treinamento específico para escapar à marcação individual, Pelé já era marcado homem a homem. Ou melhor, por dois ou três adversários. Além disso, quem vê os lances do Rei do Futebol percebe sua habilidade de driblar no curto espaço, a sua inigualável antevisão do lance e a solução rápida e criativa das jogadas, como no incrível gol contra a Suécia, em 58, quando se livrou do primeiro marcador com uma matada no peito e do segundo com um chapéu.

O segundo gol de Pelé, o quinto do Brasil, é pouco reverenciado, talvez pela genialidade do gol anterior. Mas é magnífico. Pelé faz tudo parecer simples. Mata a bola no peito, como se ela fosse uma extensão do seu corpo, toca de calcanhar para Zagallo, corre para a área; descobre, como se aos 17 anos fosse o mais experiente dos jogadores, um espaço entre cinco adversários, divide no alto de cabeça e toca magistralmente, de olhos abertos, no canto direito do goleiro.

   

Dias antes, o menino de 17 anos já havia mostrado seu talento para improvisar, com perfeito domínio da bola, do tempo e do espaço, ao matar no meio e com um meio chapéu se livrar do adversário e marcar o gol brasileiro na dura vitória de 1 a 0 sobre o País de Gales, nas quartas de final. Com os métodos e equipamentos atuais, Pelé seria ainda mais genial e insuperável.

O filho de dona Celeste Arantes e de João Ramos do Nascimento (Dondinho), que no dia 23 de outubro de 1940, foi Rei desde que surgiu para o mundo, em 58, até sua despedida, no dia 1º. de outubro de 77, nos EUA, em partida entre o New York Cosmos e o Santos – os dois clubes que defendeu contratualmente na carreira (não consideramos alguns amistosos e jogos de times combinados). Aos 21 anos, era bicampeão mundial de seleções e de clubes. Aos 22, já tinha a marca de 500 tentos assinalados

Os grandes jogadores do futebol a partir da década de 70 têm uma vantagem inquestionável em relação ao Rei do Futebol: a televisão. Quase tudo o que fizeram nos gramados está documentado. Há imagens de praticamente todos seus gols e lances espetaculares. Já quando vemos qualquer lista com o melhor de Pelé, devemos lembrar que muitas imagens não estão disponíveis.  Fitas de 30 minutos podem ser feitas com craques inesquecíveis, como Pelé, Garrincha, Johan Cruyff, Puskas, Di Stefano, Maradona, Zinédine Zidane, Eusébio, Ronaldinho Gaúcho, Platini, Ronaldo Fenômeno e mesmo alguns não tão geniais assim. Mas no caso dos jogadores mais antigos, não chegam perto de mostrar o conjunto da obra.

Segundo alguns arautos do mundo da bola não deveriam ser considerados os gols que o Rei fez em partidas amistosas que não envolvessem seleções nacionais. Os critérios são questionáveis. Além de desconsiderarem as especificidades do futebol da época, tratam como se um jogo amistoso do Santos contra uma grande equipe europeia tivesse um valor ou dificuldade menor que, por exemplo, um jogo entre Barcelona e Almeria. Por essa nova conta, dos 1.282 gols que Pelé fez em 1.380 jogos, valeriam “apenas” os 757 gols assinalados nas 820 partidas oficiais. Os números mostram, porém, que em jogos oficiais Pelé teve praticamente a mesma média de gols nas partidas em geral: 0,92 apenas para os jogos oficiais e 0,93 em toda a carreira. Atuando pela Seleção Brasileira, Pelé fez 95 gols em 115 partidas, com média de 0,82. Nos 92 jogos oficiais, marcou 77 vezes, com média de 083.

As estatísticas indicam que se não existissem tantos jogos amistosos e sim mais jogos oficiais e mais campeonatos a serem disputados (como as supercopas nacionais), Pelé teria mais gols e títulos que obedecessem aos critérios modernos.  Em 15 partidas de Copas Libertadores, Pelé fez 17 gols, média de 1,33 gols. Depois, o Santos abdicou da competição para disputar partidas amistosas em todo o mundo. Das três Libertadores de que participou, venceu duas. Quantos gols Pelé teria marcado na Libertadores se tivesse disputado mais vezes a competição? E quantos títulos teria da Libertadores e do Mundial de Clubes? 

Além disso, os menores recursos e conhecimentos na fisiologia, preparação física e medicina esportiva, a violência pré-televisão ao vivo e pré-cartão amarelo abreviou o período de alta performance do Rei do Futebol. A partir dos 26 anos, há uma queda acentuada nas estatísticas de gols de Pelé (com exceção do grande ano de 1969). No dia 2 de setembro de 1962, quando tinha 21 anos e dez meses, ao fazer seu segundo gol no empate de 3 a 3 com o São Paulo, Pelé completou seu gol número 500 (terminou a temporada com 73 gols em 59 jogos, com média impressionante de 1,24).   Pouco após a Copa do Mundo do México de 70, ao completar 30 anos Pelé tinha 1.054 gols em 982 partidas, com média de 1,07 gol por jogo. Após os 30, mudou seu estilo e passou a marcar menos gols. Fez mais 385 jogos e 228 gols, com média de 0,59 por jogo. Pelé não contou com os avanços da fisiologia esportiva para manter sua espantosa média de gols até o final da carreira.

Ex-jogadores do Santos, como o ponta-esquerda Pepe, já destacaram que as cenas que vemos nos documentários e teipes não mostram a imensa maioria dos lances geniais de Pelé. “Somente nós, os jogadores, é que sabemos o que realmente Ele fez”, disse. Para exemplificar, não há imagens dos seus dois gols mais sensacionais: o “Gol de Placa” (expressão cunhada por Joelmir Beting) contra o Fluminense, no Maracanã, no dia 5 de março de 61, quando partiu de poucos metros à frente da área santista até marcar o gol dentro da área adversária (foi aplaudido em pé, durante dois minutos, “contados no relógio”, pela torcida adversária) e o golaço contra o Juventus, de São Paulo, que Pelé considera o seu tento mais bonito, quando chapelou três zagueiros e o goleiro (o gol foi reproduzido no computador, de acordo com os relatos de quem assistiu ao jogo).

Publicidade

As imagens que temos disponíveis de Pelé em ação são, na maioria, dos últimos anos da sua vitoriosa carreira. Podemos vê-lo atuando em todos os jogos da Copa de 70, no México, quando encontrou a síntese de tudo o que se espera de um jogador de futebol: há gol de oportunismo (carrinho contra a Romênia, o terceiro do Brasil); o gol de falta contra a mesma Romênia (o segundo da vitória de 3 a 2); gol de cabeça (o primeiro na final contra a Itália, quando saltou mais que o zagueiro Fachetti, bem mais alto que ele); matadas no peito (no segundo gol brasileiro, na estreia contra a Tchecoslováquia, amacia a bola no peito, deixa quicar no chão e faz um gol maravilhoso); há passes decisivos que até parecem simples, pela genialidade do Rei, como para Jairzinho, na dificílima vitória de 1 a 0 contra a então campeã mundial Inglaterra, a bola açucarada, de cabeça, para o gol de Jairzinho no terceiro gol contra os italianos e o passe para o capitão Carlos Alberto Torres, no quarto e derradeiro gol brasileiro na final da Copa (ao contrário da maioria, considero esse como o mais bonito gol de todos os Mundiais, por toda a sua jogada com lances coletivos e individuais).No Mundial do México Pelé tem até dois inesquecíveis quase gols, um deles em um estupendo chute de pouco antes do meio-campo, contra a Tchecoslováquia.

Do outro “quase gol” falaremos adiante no texto.

Apesar de todos esses lances, na Copa de 70 vemos o Pelé cerebral, já com menos explosão, um craque que atua com inteligência, poupa suas energias e sabe conter o excesso de dribles para evitar o castigo da violência que o atingiu no corpo e na alma na Copa de 66. O verdadeiro auge do Rei do Futebol foi bem antes, dos 17 a 25 anos. Há poucas imagens, mas podemos ver pinceladas reveladoras em links, como nas partidas decisivas contra o Boca Juniors (final de Libertadores de 63) e Benfica (final do Mundial de 63). As cenas mostram com perfeição a grandiosidade do futebol de Pelé – onde o rei mostra técnica, força, velocidade, habilidade, chute, cabeceio, improviso, raça e muita coragem.

No estádio La Bombonera, contra o até então invencível Boca, é caçado em campo, dá o passe para o gol de empate, de Coutinho; humilha um zagueiro adversário com um drible desconcertante e, por fim, marca o gol do título e sai para comemorar como se fora uma pantera que se libertou da jaula opressora.

No Estádio da Luz, em Lisboa, faz três gols, dá um passe em jogada mágica para um gol e, ainda, dribla um mesmo jogador duas vezes no mesmo lance, a primeira delas uma meia-lua, com o “olho da nuca” e a segunda, uma janelinha.

Vale destacar que Pelé, eleito o “Atleta do Século” pelo Comitê Olímpico Internacional – superando ícones como Jesse Owens, Mark Spitz e Muhammad Ali – foi o jogador que mais cresceu nos embates decisivos. Ótimo contra os times pequenos e fracos, era infernal e impiedoso contra os poderosos. Pelé disputou 14 jogos e marcou 12 gols em Copas do Mundo. Uma média de quase 0,86 por jogo (0,857).  Em seis partidas de mata-mata nas Copas do Mundo, marcou sete vezes. Fez gols nas duas finais que participou: dois gols na vitória de 5 a 2 sobre a Suécia em 58 e o golaço de cabeça contra a Itália,. Aliás, o Pelé marcou gols em todas as grandes finais que disputou:  os já citados três gols na conquista do Mundial de Clubes em Portugal, contra o poderoso e então campeão europeu Benfica; os dois gols na primeira partida, no Maracanã, dessa mesma decisão contra o Benfica, quando o Santos venceu por 3 a 2; dois gols nos 3 a 0 sobre o forte Peñarol, do Uruguai, na decisão da Libertadores de 62, disputada no Monumental de Nuñez, em  Buenos Aires; e o também já citado um gol (e uma assistência) na conquista do Bi, em 63, contra o Boca.

Coisas de Pelé. No dia em que jogou “mal,” deixou vários lances maravilhosos para a história do futebol.

Há um jogo que pelo que tem de contraditório traz como poucos a genialidade de Pelé: a também já citada peleja entre Brasil e Uruguai em 70. Duas décadas antes, uma outra partida contra os uruguaios havia sido marcante para ele. O Brasil perdera em casa, por 2 a 1, o ainda inédito título do mundial. O menino Dico viu seu pai chorando. Sentou no colo paterno e prometeu: “Não chora mais papai. Ainda serei campeão do mundo para fazer você feliz”. Já havia cumprido a promessa em 58 e 62, mas agora estava nervoso. O jogo eliminatório, nas semifinais da Copa, era contra o mesmo Uruguai, que havia feito seu pai e o Brasil inteiro chorarem. E o time celeste saiu na frente. Neste jogo Pelé jogou mal. Pelé fez lances bisonhos. Errou passes de três metros. Foi diversas vezes facilmente desarmado pelos zagueiros uruguaios. Chutou uma falta na entrada área na direção do gol, mas quase acertou a bandeirinha de escanteio. E neste dia em que Pelé atuou mal, respondeu com um chute preciso da intermediária a um tiro de meta batido pelo ótimo goleiro Mazurkiewicz; arrancou espetacularmente do meio campo, em meio a seis uruguaios e só foi parado na violência bem próximo à linha da grande área; participou do segundo gol brasileiro, com um toque genial, de costas, decisivo para a formação da jogada; deu um belíssimo passe para último gol brasileiro, marcado por Rivellino, na vitória de 3 a 1 sobre o Uruguai  e, ainda, foi protagonista de um dos lances mais belos e mágicos de todos os tempos, quando driblou sem a bola o arqueiro uruguaio e quase marcou o gol (é o não gol mais lembrado da história). Ou seja: só mesmo o Rei do Futebol pode fazer tudo isso em um dia em que joga mal!

Também está gravado em nossa memória o instante mágico do milésimo gol de Pelé, no dia 19 de novembro de 69, no Maracanã. Para muitos, é uma pena que um craque acostumado a marcar gols das mais diferentes formas tenha feito seu mais famoso gol de uma maneira tão fácil: “pênalti”. Mas o fato é que foi um momento nobre e solene, que não pode ser obra do acaso. Assim como meses antes, no dia 20 de julho, quando o mundo parou para assistir à emocionante chegada do Homem na Lua, naquele dia o planeta parou para assistir, torcer e reverenciar o milésimo gol do Rei. Duas vezes a Humanidade inteira olhando com fascínio e paixão para a bola.

Pelé é capaz de abalar até as convicções “racionalistas” deste cronista. Será que existe essa história de que “o universo conspira a favor”? A mãe é Celeste. O filho jogou em apenas dois clubes: Santos e Cosmos… A conquista do milésimo gol e da Lua no mesmo ano….Estaria tudo escrito nas estrelas?

Pelé transformou o soco em um símbolo de felicidade e regozijo…

Alguns anos atrás, um documentário de TV indagou o que o Homem deveria colocar em uma espaçonave que viajasse através do universo, para mostrar a possíveis extraterrestres o melhor de sua produção. Na sala da minha casa, pensei na antológica cena de Gene Kelly em “Dançando na Chuva”’ ou na igualmente inesquecível “Puttin’On the Ritz”, com Fred Astaire; lembrei-me ainda da emblemática cena de Charlie Chaplin em “O Grande Ditador”, quando parodia Adolf Hitler e tenta controlar o globo terrestre com os pés, as mãos e, até, com o traseiro.

Também mandaria duas emocionantes imagens de “E.T”: o dedo do alienígena que estica até o contato com o menino e a bicicleta voadora e mágica que eleva e faz pulsar de encantamento o coração de todos os espectadores.

Colocaria ainda na nave uma réplica da obra Moisés, de Michelangelo. Diz a lenda que ao terminar a escultura e constatar a perfeição, o artista italiano teria dito: “Parla!”

Acima de tudo mandaria as imagens do Rei Eterno do Futebol Mundial desfilando sua arte pelos gramados do nosso pequeno e conturbado mas belo planeta. Lá estaria Pelé, na chuva e no seco, bailando nos gramados, com dribles, gingas de corpo e tabelinhas com companheiros e ou mesmo com as pernas dos adversários. Veríamos Pelé dominar a redonda e ter, literalmente, o mundo às suas mãos e seus pés. Também haveria lugar para gols de bicicleta que elevam e fazem pulsar de encantamento o coração de quem os assistem.

Precisão e leveza: é Pelé!
Precisão e leveza: é Pelé!

Os extraterrestres ficariam tocados e, certamente, nunca atacariam a Terra. Veriam que no fundo todos somos iguais. Seres vivos à procura de vida, de paz, amor, alegria e, claro, de um grito de gol. Pelé deu a todos nós – humanos – essa emoção 1.284 vezes. Transformou o gesto do soco em um símbolo de felicidade e regozijo. Como nós, os extraterrestres vibrariam com os gols do Rei do Universo do Futebol. Até mesmo porque, como disse o craque húngaro Puskas, “o melhor jogador de todos os tempos foi Di Stefano, porque Pelé não era deste mundo”.

Quando Deus terminou de criar Pelé, olhou para ele e disse: “Joga!”


Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade e do canal de YouTube Mundo Coroa.

Veja aqui algumas das cenas citadas no artigo:

Antológica cena de Gene Kelly
Cena antológica de Chaplin com a “bola”.

Bicicleta voadora e mágica que eleva e faz pulsar de encantamento o coração de espectadores.

Isto é Pelé!

O Rei do futebol marcou oito gols em uma única partida, contra o Botafogo, de Ribeirão Preto, em jogo válido pelo Campeonato Paulista de 1964. Sete vezes marcou cinco gols; 30 vezes assinalou 4 gols; 92 vezes fez três gols (é o recordista de hat-triks na história) e em 190 vezes marcou dois gols. É o único jogador a conquistar três Copas do Mundo: 58, 62 e 70. É o mais jovem atleta a marcar um gol – aliás, um golaço – em Copas do Mundo (em 58, aos 17 anos e 239 dias) na difícil vitória de 1 a 0 sobre o País de Gales. É o mais jovem jogador a marcar um gol em final de Copa do Mundo – aliás, dois, nos 5 a 2 sobre a Suécia (aos 17 anos e 249 dias). É o mais jovem vencedor de uma Copa do Mundo (aos 17 anos e 249 dias) e também o mais jovem a ser bicampeão (21 aos em 62, no Chile).  Pelé também o mais jovem jogador a fazer um hat-trick em Copas do Mundo. Em plena semifinal: 17 anos e 244 dias, na vitória de 5 a 2 sobre a França. Ao lado do brasileiro Vavá, do britânico Geoff Hurst e de francês Zinédine Zidane, é o jogador com mais gols em finais de Copa do Mundo: três. Notável artilheiro, também era grande no passe. É o jogador com mais assistências em uma única edição de Copa do Mundo: sete, em 1970; assim como quem mais deu assistências em finais de Copa (58 e 70): três. (A.G)

Airton Gontow
Últimos posts por Airton Gontow (exibir todos)

Um comentário sobre “Pelé, o melhor da história. (Estava escrito nas estrelas?)

  • Airton é um nato contador de histórias. Com um humor leve, educado e correto escreve de forma imparável. O leitor vai lendo e não quer parar. Tenho que concordar que Pelé é o rei maior, pleno e absoluto. Tenho muita simpatia pelo Messi, Cristiano Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. E a graça do futebol é a mágica que nos transforma em torcedores. Adoro ser atleticano e estar no meio da torcida do galo, é muito emocionante. O time pode jogar mal e até perder, mas a torcida é firme e uniforme. Um bloco de alegria ou de tristeza, mas sempre um bloco orgulhoso. Abraço, querido Airton!

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *