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O OSCAR DE MELHOR ATOR TEM QUE SER DE PHOENIX

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Por Airton Gontow

Com a Lua bela, mágica, magnética e falsa de “E La Nova Va” (1983), Federico Fellini mostra, mais uma vez, que cinema é arte, não é uma cópia da realidade. Um ator não precisa perder uma enormidade de quilos para interpretar com grandeza e para a eternidade um papel. Mas a Academia gosta de abnegação, do sacrifício do ator em prol do personagem. É por aí – não só por isso, claro – que se explica o Oscar de Melhor Ator em 83 para Ben Kingsley, que perdeu nove quilos para interpretar o grande líder hindu.

Joaquin Phoenix: o favorito ao Oscar

Há casos em que grandes atores, merecedores (e ganhadores) de vários prêmios foram agraciados com o Oscar em parte pelo sacrifício feito na sua vida pessoal.

É o caso (vou ser bombardeado por isso) de Daniel Day-Lewis, no seu ótimo mas não magistral trabalho em “Meu Pé Esquerdo” (Oscar de Melhor ator em 89), quando passou meses de laboratório em uma cadeira de rodas.

Essa paixão “acadêmica” pelo sacrifício é a primeira vantagem de Joaquin Phoenix, o estupendo “Coringa”, na disputa da estatueta de Melhor Ator com o também espetacular Leonardo DiCaprio – o Rick Dalton – no filme de Tarantino. É evidente que Phoenix entregou o corpo e a alma para incorporar o vilão.

O próprio DiCaprio já gozou desse benefício em 2016, quando ficou com o Oscar por sua atuação em “O Regresso”. Foi um grande trabalho, mas inferior à sua atuação em “Era Uma Vez em Hollywood” e em “O Lobo de Wall Street”, no papel de Belfort. A conquista de sua primeira e até agora única estatueta de melhor ator veio em parte como recompensa pelos incontáveis sacrifícios vividos no inverno tenebroso, muitas vezes com caminhadas com a neve até a cintura.

DiCaprio é estupendo como Rick Dalton

Claro que muitas vezes o melhor trabalho e o maior sacrifício cabem no mesmo ator/personagem. É o caso de Tom Hanks, que perdeu 12 quilos e impressionou o mundo interpretando o personagem que aos poucos definha em “Filadélfia” (Oscar em 93) e também por sua atuação em “Náufrago” (Oscar de Melhor Ator em 2001 – pena que Wilson não ganhou o de Melhor Ator Coadjuvante!), quando perdeu 20 kg; e de Meryl Streep no angustiante “Escolha de Sofia” (Oscar de 82). Talvez também seja o caso da atuação de Adrien Brody em “O pianista” (Oscar de Melhor Ator em 2002), mas teria rever o filme para ter uma opinião mais segura.

É difícil decidir entre Phoenix e DiCaprio. Os dois atores impressionam com suas atuações magistrais. A cena de Rick Dalton com a emoção clara e contida após o elogio da garotinha que com ele acabara contracenar, é linda, densa e comovente. Fiquei com vontade de tapar (não fiz isso, é claro) os olhos da minha esposa para ela não ficar admirando aqueles olhões azuis lacrimejantes. O personagem busca a dignidade e a conquista. Isso pouco depois de outra cena também forte inesquecível, quando conversa consigo mesmo diante do espelho. Cena, aliás, universal. Quem nunca fez isso ao menos uma vez na vida?

Phoenix também conversa, ora com palavras, ora com um simples olhar, consigo mesmo diante de vários espelhos – reais e imaginários. E há um mesmo choro claro e contido, quando ele sobe no carro e se prepara para virar para ser ovacionado pela multidão em meio ao caos em que o mundo se transformou. Ele é o clássico cientista dos desenhos, séries e Gibis. Tudo o que desejava era ser respeitado, admirado ou simplesmente visto. Mas o que surge a vingança diante dos que riram, dos que oprimiram. Na incapacidade de vencer o mal através da arte e/ou do humor, o cientista maluco inventa a máquina de destruir o mundo. Repare bem na cena. Toda a dor do mundo é expressa naquele olhar!

O que para mim é decisivo na “eleição” de Joaquin Phoenix como vencedor do Oscar de Melhor Ator deste ano é seu trabalho corporal. Da mesma forma (meu Deus, vão me matar por essa analogia também) que um jogador de futebol não é o melhor do mundo apenas por ter o drible mais espetacular, o trabalho do ator não mora “apenas” na sua voz e expressões faciais.

Peguemos, por exemplo, os dois grandes jogadores da atualidade, ambos máquinas de fazer gols e conquistar títulos. Se Messi é para muitos o melhor do mundo porque dribla e tabela, com sua mágica perna esquerda, como nenhum outro no futebol atual, Cristiano Ronaldo é para muitos o melhor por outros fundamentos como cabeceio, velocidade, força, impulsão, chute com as duas pernas e sua impressionante força mental nos momentos decisivos.

Os dois atores – Phoenix e DiCaprio – criaram, com suas vozes, olhares, silêncios e expressões faciais – personagens para a história e capturaram os olhares e corações dos telespectadores. Mas é Phoenix que fala também com o próprio corpo e domina a telona, a tela e a telinha com sua dança, com sua fragilidade e violência. É Joaquin Phoenix que me faz querer sair da poltrona e entrar no filme. Ou, como isso é impossível, ao menos, como qualquer turista nesse mundo maluco e narcisista, viajar até os EUA para fazer fotos e postar muitas Selfies naquela escadaria. E, quando isso acontecer, que você, caro leitor, não se atreva a rir de mim….
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Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade e do canal de YouTube e portal Mundo Coroa.

Nota do Autor: não vou falar neste artigo sobre outros atores porque comecei o texto tarde e a cerimônia do Oscar está começando. Gostaria de falar também sobre o notável trabalho de Jonathan Pryce. Traria elogios mas não teria – e ao mesmo teria – papas na língua.

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