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MOMENTO MÁGICO!*

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Todo o dia 6 de dezembro essas lembranças iluminam o meu presente.

Por Airton Gontow

A noite não passava e eu ficava lá no quarto lutando contra o sono, que avançava, com força, querendo me derrotar. Havia silêncio na cidade, que só era quebrado pela respiração forte do meu irmão, na cama ao lado.


Eu aguentava firme e, para ganhar do tempo, buscava na memória tudo o que havia acontecido naquele ano: “a Vera cortou o cabelo”, “meu pai disse que vou passar as férias com minha tia em São Paulo”, “passei o feriado na casa da Eliane em Capão”. Aí eu me concentrava em cada um destes fatos e recordava cada detalhe, cada cena, cada frase…


Mas o tempo parecia não avançar e eu me lembrava dos gols do Grêmio e os narrava em silêncio, imitando com as vozes da mente e do coração os narradores da Gaúcha e da Guaíba que eu escutava o tempo todo com o meu inseparável rádio de pilha. Depois, pensava nos gols que havia marcado na escola. E assim, avançava a noite e chegava até a me beliscar se sentisse a queda se aproximando, a resistência se esvaindo.


Quando percebia pela persiana um leve fio de luz percorrendo a escuridão, eu ganhava novo fôlego para superar o sono. E ficava lá pensando nos novos colegas que haviam entrado na escola, imaginando como seria beijar uma guria e então escutava alguns pássaros invadindo o meu quintal e começando a tomar conta do abacateiro do vizinho, cujos galhos se estendiam generosamente, como braços, por cima do nosso muro.


Até que eu ouvia passos no corredor e percebia a porta do meu quarto abrir. Eu ficava lá, quieto, quietinho… e via com o canto dos olhos e o ouvido atento meu pai sussurrando para meu irmão: “acorda Carlos, acorda, tá na hora”. Aí esticava ainda mais os ouvidos e percebia uma cena parecida acontecendo lá no início do corredor. Minha mãe dizia para a minha irmã: “Jussara, vamos, vamos…”


Eu apertava meus olhinhos e o coração começava a bater acelerado, enquanto ouvia passos se aproximando da porta, sussurros, risadinhas…
Quando eu escutava o “ssshiiii” do fósforo riscando a caixinha, a porta abrindo e via aquele clarão de luz de vela iluminando o quarto, o coração batia ainda mais depressa e a alma se incendiava, até que eu começava a ouvir: “Parabéns pra você nesta data querida…”


E eu tinha que abrir os olhos bem devagarinho e espreguiçar-me em câmera lenta.


Tudo para não confessar que eu tinha passado a noite inteira acordado – mais uma vez acordado – para esperar por aquele momento mágico que me encantava todos os dias 6 de dezembro, que iluminava meu quarto, meu dia e minha vida; e que me aquece até os dias de hoje.
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*Texto que fiz há alguns anos, mas que adoro publicar no meu aniversário. Aos 63 anos, ainda reflete exatamente como me sinto…

Airton Gontow
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5 comentários sobre “MOMENTO MÁGICO!*

  • Airton, que deliciosa e bonita recordação!
    Senti-me observando os momentos pelo teu compartilhamento!
    Obrigada

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    • Obrigado, Tatiana. Ao comentares meu texto tornaste meu dia ainda mais aquecido. Bem sabes como é importante a gente sentir esse retorno.

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  • Airton, que linda recordação!!!! Esses momentos são tesouros que devem ser lembrados sempre, memórias boas, que nos conecta com o sentimento mais nobre que é o amor. Parabéns!!!

    Resposta
  • Lindo, poético!!!! A frase “cujos galhos se estendiam generosamente, como braços, por cima do nosso muro” me encantou, além de todo o texto, obviamente… vi a cena.

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