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Edson era Antes do Nascimento. Depois virou Pelé!  

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Por Airton Gontow

 

Homenagem ao “Rei do Futebol” , que dia 23 de outubro, completa 77 anos.  

 

Edson era Antes do Nascimento. Depois virou Dico, Belé e até Gasolina, de tão liso que era nas peladas de rua e campinhos de várzea em Bauru. Finalmente virou Pelé. Talvez por isso para o povo brasileiro futebol seja, definitivamente, uma questão de PELE.

Dizem que Pelé é de Três Corações. Mas isso é o que está na certidão, lá nos registros do cartório. Nas histórias do futebol – e essas são as que contam  – Pelé é de milhões e milhões de corações brasileiros e de apaixonados por futebol no mundo inteiro.

Nelson Rodrigues disse que “toda a unanimidade é burra”. Mas não acrescentou: “a única exceção é Pelé”. O genial dramaturgo, jornalista e escritor foi o autor da primeira e antológica crônica sobre o gênio da bola, no dia 25 de fevereiro de 58, após  a vitória santista por 5 a 3 sobre o América do Rio, no Maracanã.  No profético artigo, chama Pelé de “rei” e aposta no sucesso do jovem craque: “…Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias…. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas-de-pau”.

Nelson Rodrigues talvez não tenha conferido a exceção a Pelé porque o Rei nunca foi unanimidade. No passado, alguns argentinos e europeus, destacavam Di Stefano. No Brasil, quem não aceitava seu reinado era literalmente um Mané, no bom sentido. Hoje, a proporção de súditos é ainda menor.  Há quem aponte Messi como o melhor da história, mas o genial jogador argentino já disputou três Copas do Mundo e não venceu nenhuma delas. Na segunda, em 2010, na África do Sul, não marcou um único gol. Em 2014, no Brasil, marcou quatro gols (um contra a Bósnia, um contra o Irã e dois contra a Nigéria), deu dois passes decisivos, mas foi derrotado na final pela Seleção da Alemanha. Em um lance, teve a vitória aos seus pés e não conseguiu marcar o gol do título. Foi eleito pela Fifa como o melhor jogador do Mundial, mas para a maioria dos jornalistas e apaixonados por futebol a premiação foi injusta. Robben, da Holanda; Thomas Muller, da Alemanha; e mesmo o goleiro alemão Neuer teriam jogado melhor que o craque argentino. No ano passado, na final da Copa América Centenária, disputada nos Estados Unidos, Messi desperdiçou sua cobrança na disputa por pênaltis contra o Chile. Foi a segunda Copa América seguida que os argentinos, que amargam um longa fila de 24 anos sem títulos, perdem para os chilenos.

Os números de Pelé são impressionantes: tricampeão mundial (58, 62 e 70) pela Seleção Brasileira (único jogador na história) em quatro Mundiais disputados; bicampeão da Taça Libertadores da América e do mundo pelo Santos (62 e 63); pentacampeão da Taça Brasil (61 a 65);  campeão da Taça Roberto Gomes Pedrosa – Taça de Prata (1968); cinco vezes campeão do Torneio Rio-São Paulo (59, 63, 64, 66 e 68); dez vezes campeão paulista (58, 60, 61, 62, 64, 65, 67, 68, 69 e 73); 1.284 gols em 1.375 partidas (média de 0,93 por jogo); campeão norte-americano pelo Cosmos (77); 95 gols em 115 jogos pela Seleção Brasileira; mais jovem campeão e bicampeão mundial de seleções (17 anos em 58, e 21 anos em 62, respectivamente); mais jovem artilheiro do Campeonato Paulista (17 gols em 57 – iniciou a competição com 16 e terminou com 17 anos); maior artilheiro em uma única temporada no Campeonato Paulista (58 gols, em 1958), competição em que foi o goleador 11 vezes (oito delas consecutivas); artilheiro da Libertadores (em 63, com 11 gols); quatro vezes goleador do Torneio Rio-São Paulo (61, 63, 64 e 65) e duas da Taça Brasil (61 e 63); maior número de gols em uma única temporada (127 gols em 59); 12 gols em Copas do Mundo em 14 jogos disputados; 59 títulos nos 21 anos de carreira…

Maradona, o genial jogador argentino, ganhou uma Copa do Mundo em quatro disputadas; fez 365 gols em 695 jogos (média de 0,52 por jogo). Marcou 34 gols em 91 partidas pela Seleção Argentina.  Foi uma vez campeão argentino (pelo Boca Juniors (79); ganhou a Copa do Rei pelo Barcelona (83); levou o time do Napoli aos inéditos títulos de  campeão e bicampeão italiano (86/87 e 89/90) e de campeão da Copa da UEFA (88); foi campeão mundial sub-20 com a Argentina (79); foi artilheiro Campeonato Metropolitano Argentino (78, 79 e 80), do Campeonato Nacional Argentino (79 e 80), do Campeonato Italiano (87-88) e da Copa da Itália (87-88). Fez oito gols em Copas do Mundo em 21 jogos disputados.

Números são importantes, mas não dizem tudo, porque os jogadores não vencem sozinhos e muitas vezes contam com a sorte de atuar ao lado de atletas espetaculares, como foi o caso de Pelé no Santos e na Seleção Brasileira. Mas ainda assim as comparações entre ambos não têm fundamento – a começar pelos próprios fundamentos, do futebol.

Maradona era espetacular “apenas” com perna esquerda, que usava para dribles desconcertantes, alguns lançamentos e chutes à curta e média distância. Já Pelé, sempre foi completo, em todos os fundamentos: driblava e chutava com as duas pernas, das mais diversas áreas do campo; tinha uma impulsão impressionante, além de um notável senso de colocação para seu cabeceio mortal, que compensava seus 1m72 de altura, e também para matadas no peito que preparavam gols e lençóis nos adversários.

Muitos dos que contestam a soberania de Pelé na história do esporte bretão dizem que naqueles tempos jogar futebol era mais fácil e havia mais espaço para jogar. Pura bobagem! Os atletas devem ser analisados pelo que fizeram em suas épocas, com os métodos de treinamento e equipamentos que dispunham. Pelé fez lances inesquecíveis com bolas “rudimentares”, em gramados geralmente ruins e com chuteiras toscas se comparadas às atuais, que facilitam o domínio da pelota.  Durante praticamente toda a sua carreira não havia o cartão amarelo nem transmissão do jogo pela televisão; e a violência raramente era coibida. Sem um treinamento específico para escapar à marcação individual, Pelé já era marcado homem a homem. Ou melhor, por dois ou três adversários. Além disso, quem vê os lances do Rei do Futebol percebe sua habilidade de driblar no curto espaço, a sua inigualável antevisão do lance e a solução rápida e criativa das jogadas, como no incrível gol contra a Suécia, em 58, quando se livrou do primeiro marcador com uma matada no peito e do segundo com um chapéu. Com os métodos e equipamentos atuais, Pelé seria ainda mais genial e insuperável.

O filho de dona Celeste Arantes e de João Ramos do Nascimento (Dondinho) também foi o melhor pela longevidade do seu reinado. Foi o Rei desde que surgiu para o mundo, em 58, até sua despedida, no dia 1º. de outubro de 77, nos EUA, em partida entre o New York Cosmos e o Santos – os dois clubes que defendeu contratualmente na carreira (não consideramos alguns amistosos e jogos de times combinados). Aos 21 anos, era bicampeão mundial de seleções e de clubes. Aos 22, já tinha a incrível marca de 500 tentos assinalados,  quase 30% a mais do que Maradona em toda a carreira.  O habilidoso jogador argentino aos 21 anos saía da sua primeira Copa do Mundo, da Espanha, com uma participação mediana, que culminou com a expulsão por entrada violenta em Batista na derrota de 3 a 1 para o Brasil, de Zico, Sócrates, Falcão e cia. Só se tornou o melhor jogador do mundo aos 25 anos, na Copa do México, em 86, quando marcou o mais estupendo gol em jogada individual da História das Copas. Em 90, fora de sua melhor condição física, Dom Diego fez uma boa Copa, mas com poucos lances geniais, como na notável arrancada que originou o gol de Caniggia e mandou o Brasil mais cedo para casa. O avanço da Argentina às finais, porém, dependeu mais das defesas de Goycochea que do craque. Maradona,  inclusive, perdeu um pênalti contra a Iugoslávia, após o empate no tempo normal de jogo.

Em 91, Maradona foi pego no exame antidoping no Napoli e suspenso. Em 94, outra vez doping, agora em plena Copa do Mundo, o que resultou na sua vergonhosa eliminação. O exame realizado após o jogo Argentina 2 X Nigéria 1 revelou que o jogador atuou dopado. Foi constatada a presença de efedrina natural, além de outros quatro derivados sintéticos – substâncias que agem sobre o sistema nervoso central e circulatório e têm o poder de melhorar os reflexos, reduzir a sensação de fadiga aumentar a oxigenação do sangue. É um conhecido estimulante no mundo do futebol. O laudo da Fifa apontou que  Maradona tomou os estimulantes, com dosagem entre cinco e dez vezes mais elevada que a utilizada como descongestionante e que as drogas foram ingeridas no dia da partida. O ídolo argentino jurou pelas duas filhas que nunca ingeriu substâncias proibidas para melhorar sua performance em campo. Mas ficará para sempre a suspeita de que tenha atuado dopado em outros jogos e competições.

Pesa ainda contra o jogador a suspeita de que a vitória sobre o Brasil, quatro anos antes, tenha contado com a ajuda de uma garrafa de água com tranquilizante, passada pelos argentinos a jogadores brasileiros durante a partida (caso contado pelo próprio Maradona em um programa de televisão).

“El Pibe de Oro” só tem uma vantagem inquestionável em relação ao Rei do Futebol, que hoje, dia  23 de outubro, completa 77 anos: a televisão. Quando vemos qualquer seleção com os melhores lances de Dom Diego, podemos discordar de uma ou duas escolhas, mas temos a certeza de que quase tudo o que fez nos gramados está documentado. Há imagens de praticamente todos os inúmeros gols e lances espetaculares do jogador. Já quando vemos qualquer lista com os melhor de Pelé, devemos lembrar que poucas imagens estão disponíveis. Assim, deveria estar escrito: “os melhores lances entre as poucas imagens existentes”. Fitas de 30 minutos podem ser feitas com craques inesquecíveis, como Pelé, Zinédine Zidane, Johan Cruyff, Puskas, Di Stefano, Maradona, Ronaldinho Gaúcho, Platini, Messi, Ronaldo Fenômeno e mesmo alguns não tão geniais assim. Mas não chegam perto de mostrar o conjunto da obra.

Ex-jogadores do Santos, como o ponta-esquerda Pepe, já destacaram que as cenas que vemos nos documentários e teipes não mostram a imensa maioria dos lances geniais de Pelé. “Somente nós, os jogadores, é que sabemos o que realmente Ele fez”, disse. Para exemplificar, não há imagens dos seus dois gols mais sensacionais: o “Gol de Placa” (expressão cunhada por Joelmir Beting) contra o Fluminense, no Maracanã, no dia 5 de março de 61, quando partiu de poucos metros à frente da área santista até marcar o gol dentro da área adversária (foi aplaudido em pé, durante dois minutos, “contados no relógio”, pela torcida adversária) e o golaço contra o Juventus, de São Paulo, que Pelé considera o seu tento mais bonito, quando chapelou três zagueiros e o goleiro (o gol foi reproduzido no computador, de acordo com os relatos de quem assistiu ao jogo – http://www.youtube.com/watch?v=DeFba3LMLnc).

 

As imagens que temos disponíveis de Pelé em ação são, na maioria, dos últimos anos da sua vitoriosa carreira. Podemos vê-lo atuando em todos os jogos da Copa de 70, no México, quando encontrou a síntese de tudo o que se espera de um jogador de futebol: há gol de oportunismo (carrinho contra a Romênia, o terceiro do Brasil); o gol de falta contra a mesma Romênia (o segundo da vitória de 3 a 2); gol de cabeça (o primeiro na final contra a Itália, quando saltou mais que o zagueiro Fachetti, bem mais alto que ele); matadas no peito (no segundo gol brasileiro, na estreia contra a Tchecoslováquia, amacia a bola no peito, deixa quicar no chão e faz um gol maravilhoso); há passes decisivos que até parecem simples, pela genialidade do Rei, como para Jairzinho, na dificílima vitória de 1 a 0 contra a então campeã mundial Inglaterra, a bola açucarada, de cabeça, para o gol de Jairzinho no terceiro gol contra os italianos e o passe para o capitão Carlos Alberto Torres, no quarto e derradeiro gol brasileiro na final da Copa (ao contrário da maioria, considero esse como o mais bonito gol de todos os Mundiais, por toda a sua jogada com lances coletivos e individuais.

No Mundial do México Pelé tem até dois inesquecíveis quase gols, um deles em um estupendo chute de pouco antes do meio-campo, contra a Tchecoslováquia. Do outro “quase gol” falaremos adiante no texto.

Apesar de todos esses lances, na Copa de 70 vemos o Pelé cerebral, já com menos explosão, um craque que atua com inteligência, poupa suas energias e sabe conter o excesso de dribles para evitar o castigo da violência que o atingiu no corpo e na alma na Copa de 66. O verdadeiro auge do Rei do Futebol foi bem antes, dos 17 a 25 anos. Há poucas imagens, mas podemos ver pinceladas reveladoras em links, como nas partidas decisivas contra o Boca Junior (final de Libertadores de 63) e Benfica (final do Mundial de 63). As cenas mostram com perfeição a grandiosidade do futebol de Pelé – onde o rei mostra técnica, força, velocidade, habilidade, chute, cabeceio, improviso, raça e muita coragem.

No estádio La Bombonera, contra o até então invencível Boca, é caçado em campo, dá o passe para o gol de empate, de Coutinho; humilha um zagueiro adversário com um drible desconcertante e, por fim, marca o gol do título e sai para comemorar como se fora uma pantera que se libertou da jaula opressora.

No Estádio da Luz, em Lisboa,   faz três gols, dá um passe em jogada mágica para um gol e, ainda, dribla um mesmo jogador duas vezes no mesmo lance, a primeira delas uma meia-lua, com o “olho da nuca” e a segunda, uma janelinha (http://www.youtube.com/watch?v=-5Dw8TWMJik&p=B79CF95640FAE719&playnext=1&index=17).

Vale destacar que Pelé, eleito o “Atleta do Século pelo Comitê Olímpico Internacional” – foi o melhor de todos também porque foi o jogador que mais cresceu nos embates decisivos. Ótimo contra os times pequenos e fracos, era infernal e impiedoso contra os poderosos. Marcou gols em todas as grandes finais que disputou: dois gols na vitória de 5 a 2 sobre a Suécia em 58 e o golaço de cabeça contra a Itália, nas finais da Copa do Mundo; os já citados três gols na conquista do Mundial de Clubes em Portugal, contra o poderoso e então campeão europeu Benfica e dois na final da Libertadores de 62, contra o forte Penharol, além de dar o passe para outro gol santista.

“El Diez” não marcou um gol sequer nas duas finais das Copas do Mundo disputadas, ambas contra a Alemanha, embora tenha dado um passe decisivo para Burruchaga marcar o gol do título em 86, na vitória de 3 a 2.

Há um jogo que pelo que tem de contraditório traz como poucos a genialidade de Pelé: a também já citada peleja entre Brasil e Uruguai em 70. Duas décadas antes, uma outra partida contra os uruguaios havia sido marcante para ele. O Brasil perdera em casa, por 2 a 1, o ainda inédito título do mundial. O menino Dico viu seu pai chorando. Sentou no colo paterno e prometeu: “Não chora mais papai. Ainda serei campeão do mundo para fazer você feliz”. Já havia cumprido a promessa em 58 e 62, mas agora estava nervoso. O jogo eliminatório, nas semifinais da Copa, era contra o mesmo Uruguai, que havia feito seu pai e o Brasil inteiro chorarem. E o time celeste saiu na frente. Neste jogo Pelé jogou mal. Basta assistir ao jogo por inteiro para ver que não estou maluco. Pelé fez lances bisonhos. Errou passes de três metros. Foi diversas vezes facilmente desarmado pelos zagueiros uruguaios. Chutou a bola na direção do gol, mas quase acertou a bandeirinha de escanteio. E neste dia em que Pelé atuou extremamente mal, ele deu um belíssimo passe para o gol de Rivelino, respondeu com um chute preciso da intermediária a um tiro de meta batido pelo ótimo goleiro Mazurkiewicz e, ainda, foi protagonista de um dos lances mais belos e mágicos de todos os tempos, quando driblou sem a bola o arqueiro uruguaio e quase marcou o gol  (é o não gol mais lembrado da história. Ou seja: só mesmo o Rei do Futebol pode fazer tudo isso em um dia em que joga mal!

Também está gravado em nossa memória o instante mágico do milésimo gol de Pelé, no dia 19 de novembro de 69, no Maracanã. Para muitos, é uma pena que um craque acostumado a marcar gols das mais diferentes formas tenha feito seu mais famoso gol de uma maneira tão fácil: “pênalti”. Mas o fato é que foi um momento nobre e solene, que não pode ser obra do acaso. Assim como meses antes, no dia 20 de julho, quando o mundo parou para assistir à emocionante chegada do Homem na Lua, naquele dia o planeta parou para assistir, torcer e reverenciar o milésimo gol do Rei.

Pelé é capaz de abalar até as convicções “racionalistas” deste cronista. Será que existe essa história de que “o universo conspira a favor”? A mãe é Celeste. O filho jogou em apenas dois clubes: Santos e Cosmos… A conquista do milésimo gol e da Lua no mesmo ano….Estaria tudo escrito nas estrelas?

Dias atrás um documentário de TV indagou o que o Homem deveria colocar em uma espaçonave que viajasse através do universo, para mostrar a possíveis extraterrestres o melhor de sua produção. Na sala da minha casa, pensei na antológica cena de Gene Kelly em “Dançando na Chuva”’ ou na igualmente inesquecível “Puttin’On the Ritz”, com Fred Astaire; lembrei-me ainda da emblemática cena de Charlie Chaplin em “O Grande Ditador”, quando parodia o assassino Adolf Hitler e  tenta controlar o globo terrestre com os pés, as mãos e, até, com o traseiro. Também mandaria duas emocionantes imagens de “E.T”: o dedo do alienígena que estica até o contato com o menino e a bicicleta voadora e mágica que eleva e faz pulsar de encantamento o coração de todos os espectadores. Colocaria ainda na nave uma réplica da obra Moisés, de Michelangelo. Diz a lenda que ao terminar a escultura e constatar a perfeição, o artista italiano teria dito: “Parla!”

Acima de tudo mandaria as imagens do Rei Eterno do Futebol Mundial desfilando sua arte pelos gramados do nosso pequeno e conturbado mas belo planeta. Lá estaria Pelé, na chuva e no seco, bailando nos gramados, com dribles, gingas de corpo e tabelinhas com companheiros e ou mesmo com as pernas dos adversários. Veríamos Pelé dominar a redonda e ter, literalmente, o mundo às suas mãos e seus pés. Também haveria lugar para gols de bicicleta que elevam e fazem pulsar de encantamento o coração de quem os assistem. Os extraterrestres ficariam tocados e, certamente, nunca atacariam a Terra. Veriam que no fundo todos somos iguais. Seres vivos à procura de vida, de paz, amor, alegria e, claro, de um grito de gol.  Pelé deu a todos nós – humanos – essa emoção 1.284 vezes. Transformou o gesto do soco em um símbolo de felicidade e regozijo. Como nós, os extraterrestres vibrariam com os gols do Rei do Universo do Futebol. Até mesmo porque, como disse o craque húngaro Puskas, “o melhor jogador de todos os tempos foi Di Stefano, porque Pelé não era deste mundo”.

Quando Deus terminou de criar Pelé, olhou para ele e disse: “Joga!”

 

Airton Gontow,  55 anos, é jornalista, cronista e criador do site de relacionamento Coroa Metade.

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